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Maioria das pré-escolas públicas não tem parquinho, área verde e pátio coberto

União dos Dirigentes Municipais de Educação atribui o problema à falta de recursos e critica a política atual de financiamento; itens são considerados aliados da proposta pedagógica.

Quase 4 milhões de crianças brasileiras estão matriculadas em pré-escolas públicas, o equivalente a 76,8% do universo total, segundo o Censo Escolar de 2017. A maioria dessas escolas não possui itens considerados básicos para o desenvolvimento da criança nessa faixa etária como parquinho, área verde para atividades ao ar livre, pátio coberto, banheiros infantis, além de condições adequadas de acessibilidade.

Só 28% das escolas mantidas pelos municípios desfrutam de parquinho, e 25% de área verde. O pátio coberto é realidade em 40% das pré-escolas públicas. Os dados compõem o Censo Escolar de 2017 e foram tabulados pelo movimento Todos pela Educação (veja mais dados abaixo).

G1 visitou a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Heitor Villa Lobos, localizada na Zona Sul de São Paulo, que possui espaço externo e parque, exceção no cenário brasileiro, para saber o que os alunos acham do local. (veja o vídeo acima)

A pré-escola compreende a primeira etapa obrigatória da educação infantil e atende crianças de 4 e 5 anos. Para atingir a meta de universalizar o acesso, prevista no Plano Nacional de Educação, ainda é preciso incluir cerca de 500 mil crianças.

“Além do acesso, um importante fator a ser considerado é a qualidade da oferta. No que tange à infraestrutura, é preciso que seja adequada para atender às necessidades da etapa em questão, como ter salas de leitura, espaços para convivências e brincadeiras, por exemplo”, diz Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais do Todos pela Educação.

Pré-escolas conveniadas

Os dados do Censo Escolar de 2017 mostram que o cenário melhora se avaliadas apenas as unidades conveniadas, que são administradas por instituições privadas ou filantrópicas parceiras dos municípios como forma de expandir o número de vagas. Cerca de 80% possuem banheiro adaptado e parquinho. Quase 60% têm pátio coberto e 40% desfrutam de área verde para as crianças.

Entretanto as pré-escolas conveniadas representam só 6% das pré-escolas públicas, o equivalente a 4.815 unidades do universo total de 81.017. Os benefícios desse tipo de contrato não são unânimes entre educadores e gestores ouvidos pelo G1. Eles apontam que nestes locais, entre outros problemas, os professores são contratados de maneira precária e muitas vezes o pagamento do piso salarial não é respeitado.

Quem é contrário a esse tipo de terceirização é o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Alessio Costa Lima. “Conveniar não é positivo, a Undime não defende a terceirização e, sim, melhores condições de financiamento para que os municípios possam oferecer uma educação pública de qualidade”, diz.

Para Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, os convênios não devem ser demonizados, eles podem ser uma boa alternativa se funcionarem sob supervisão.

“O que temos de discutir é a questão da supervisão dessas unidades. Sabemos muitas vezes que as secretarias não dão conta de fazer essa supervisão por não terem estrutura técnica, como número de funcionários para fazer o acompanhamento. Acho que a rede que opta por ter convênios, precisa ter um olhar bastante detalhado para que haja qualidade no atendimento” – Beatriz Abuchaim, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Infraestrutura das pré-escolas públicas é precária  — Foto: Karina Almeida/ Arte G1

Infraestrutura das pré-escolas públicas é precária — Foto: Karina Almeida/ Arte G1

Financiamento

O presidente da Undime diz que a falta de recursos é o grande obstáculo para que os municípios ofereçam uma educação infantil de qualidade, incluindo uma boa infraestrutura. São as prefeituras as responsáveis por prover a educação infantil, e a maioria o faz apenas com os recursos provenientes do Fundeb.

O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica e reúne aportes dos governos municipal, estadual e também do federal. Seu prazo de vigência é em 2020, quando deve ser reformulado. Uma das principais reivindicações dos especialistas é para que a União passe a contribuir com um montante maior do que o atual, que é de 10% da arrecadação.

“Tem município que aplica quase totalidade dos recursos do Fundeb na folha de pagamento. Os municípios, sobretudo os menores, não têm receitas próprias e não têm capacidade de investir em manutenção de estrutura física até de material. Essa é a grande realidade” – Alessio Costa Lima, Undime

Além do Fundeb, as prefeituras contavam com repasse extra vindo do Ministério do Desenvolvimento Social que ajudava a reforçar o orçamento para manter as crianças na educação infantil. Porém, entre 2015 e 2017, a verba do programa chamado Brasil Carinhoso caiu 90%.

O presidente da Undime afirmou que a defasagem do valor pago por aluno é outro complicador da política de financiamento. O Custo Aluno-Qualidade (CAQi) é o valor mínimo anual definido pelo Ministério da Educação que deve ser gasto por estudante. “Há um grande equívoco no valor investido na educação infantil. Hoje o valor pago na educação infantil é o mesmo do fundamental I, e todo mundo sabe que os custos na creche e na pré-escola são bem mais altos. É preciso ter uma política de financiamento mais próxima da realidade.”

Infraestrutura deficitária: qual o impacto?

Os primeiros anos da criança na escola são fundamentais para potencializar o desenvolvimento e diminuir as desigualdades sociais, de acordo com especialistas ouvidos pelo G1. Por isso se qualidade da educação oferecida for ruim, pode haver danos, segundo Beatriz Abuchaim, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

“Um parquinho, por exemplo, desenvolve mais do que a questão motora, ajuda a desenvolver a imaginação. Assim como tomar sol, respirar ar puro. As questões de infraestrutura são bem relevantes e mostra que houve uma expansão da educação infantil meio desgovernada.”

Para Beatriz, muitas destas questões, como o fato de não haver banheiro adaptado, por exemplo, impactam no desenvolvimento da autonomia do aluno e consequentemente exigem mais esforço do professor.

“A infraestrutura na educação infantil funciona como um outro professor. Isso não quer dizer que ela tem de ser sofisticada, ela tem de ser adequada para a faixa etária. É preciso ter um espaço ao livre, com brinquedos adequados como um playground, por exemplo. Espaço no exterior precisa de água, areia e brinquedos. A infraestrutura não é irrelevante, ela precisa ser digna”, diz Claudia Costin, diretora do centro de políticas educacionais da FGV.

João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, diz que a pré-escola se expandiu no Brasil sem planejamento. “Ou ela é um puxadinho das creches ou um puxadinho das escolas, que também não têm modelos arquitetônicos bem definidos.”

“Se você pedir para um arquiteto fazer o croqui de uma pré-escola ele vai desenhar uma sala de aula e encher de carteiras – igual a uma escola. O imaginário brasileiro sobre a pré-escola é o de que a pré-escola é uma escola que vem antes da outra. Isso faz muito mal às crianças” – João Batista Oliveira, Instituto Alfa e Beto.

Mas e a formação de professores?

A infraestrutura adequada pode ser uma grande aliada da proposta pedagógica da escola, mas a qualidade da educação infantil está diretamente associada à formação de professores, segundo especialistas ouvidos pelo G1. Segundo o último Censo Escolar, só 69% dos profissionais da pré-escolas tinham formação superior, ainda que o diploma universitário seja um dos critérios para atuação.

De acordo com João Batista Oliveira, a questão da infraestrutura externa e interna é importante, mas há outros fatores decisivos que impactam na qualidade do ensino oferecido. “O programa de ensino, a proposta pedagógica, a qualidade do educador e a qualidade da interação entre adulto/criança são os fatores que efetivamente podem fazer diferença. E isso é muito mais precário do que a infraestrutura.”

“Para mim a qualidade está vinculada à formação de professores que pode fundamentar práticas pedagógicas. A questão do espaço físico pode ser rearranjada de acordo com as concepções dos professores. Há escolas lindas, com espaços externos ótimos em que as crianças não saem porque há medo de se machucarem”, diz Cisele Ortiz, coordenadora adjunta do Instituto Avisa Lá.

Ela afirma que as secretarias de educação precisam se responsabilizar pela formação: que inclui desde o secretário de educação até a faxineira que trabalha dentro da escola. “Todos são responsáveis pela educação da criança.”

Cisele reforça que crianças até os seis anos não são “mini adultos” e possuem um “olhar diferente para o mundo” que precisa ser explorado. “É nessa fase que o professor vai ensinar inclusive hábitos de saúde, de higiene, como comer, se servir ou escovar os dentes. São práticas de sociais que fazem parte da educação. É uma fase muito dinâmica, encantadora, o professor vai lidar com situações diversas e precisa se encantar por esse jeito das crianças pequenas.”

O que deveria se ensinar na pré-escola?

No fim do ano passado, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da educação infantil. O documento aponta diretrizes sobre o que deve ser ensinado nas escolas e apoia a elaboração dos currículos.

Segundo os especialistas, a proposta pedagógica ideal para pré-escola contém:

  • Técnicas de interação que estimulem a criança a conversar e refletir sobre o que está fazendo na hora em que brinca, lê, conversa ou conta uma história.
  • Brincadeiras e demais atividades com “intencionalidade pedagógica”, ou seja, tragam um aprendizado como pano de fundo.
  • Intercala momentos livres das crianças com os direcionados pelo professor.

Claudia Costin lembra que a pré-escola é uma etapa em que o aprendizado precisa ser lúdico, por isso exige um professor bem preparado. “Uma criança pequena aprende muito mais brincando, mas é um brincar com intencionalidade pedagógica. Não é nem só brincar, enquanto os professores fazem outra coisa, e nem escolarizar precocemente. Os dois extremos estão equivocados.”

Claudia reforça que utilizar esta etapa do ensino como escolarização não é coerente com a fase que as crianças vivem.

“Não há nada de errado em ensinar de forma lúdica, ensinar os sons das letras, deixar as crianças expostas a livros, contar histórias mostrando que as letras correspondem a palavras. No momento que há provas, ou atividades como ‘copiem do quadro’, você lidando de forma equivocada com essa etapa” – Claudia Costin, FGV

Educação infantil será avaliada

No mês de junho, o Ministério da Educação anunciou que a partir do ano que vem, a educação infantil, que compreende também as creches, além das pré-escolas, será avaliada. As crianças não farão provas, mas haverá coleta de dados de infraestrutura, fluxo escolar e formação de professores. O governo quer criar um indicador que reflita a qualidade, assim como ocorre nas outras etapas do ensino da educação básica.