Supremo considera ilegal pais tirarem filhos da escola para ensiná-los em casa
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (12) que o ensino domiciliar, dado em casa, não pode ser considerado um meio lícito para que pais garantam aos filhos o acesso à educação, devido à falta de uma lei que o regulamente.
Somente o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela legalidade do ensino domiciliar, conhecido como “homeschooling”, desde que submetido a condições, que ele propôs fixar, até que o Congresso legislasse sobre o tema.
Alexandre de Moraes abriu a divergência e foi acompanhado por sete ministros: Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Eles consideraram que, para que a opção pelo ensino em casa fosse válida, teria de estar prevista em lei.
Desse grupo, Fux e Lewandowski foram além: para eles, o “homeschooling” seria inconstitucional mesmo que houvesse lei para regulamentá-lo. Já Fachin divergiu parcialmente do relator, e propôs dar um ano para o Congresso legislar sobre o assunto, mas foi vencido. Celso de Mello não participou da sessão.
Família no RS entrou com ação
A discussão no Supremo teve origem em ação que opôs o município de Canela (RS) a pais que queriam educar a filha em casa. A família foi à Justiça após a prefeitura negar um pedido para que a menina, à época com 11 anos, tivesse aulas em casa.
Decisões nas instâncias inferiores foram contrárias ao ensino domiciliar, o que levou os pais a recorrerem ao Supremo em 2015. A corte reconheceu a repercussão geral do recurso, o que significa que o resultado do julgamento passa a valer para processos semelhantes em todo o país.
Desde novembro de 2016, todas as ações judiciais sobre educação domiciliar no país estão suspensas por determinação de Barroso. Agora, deverão ter desfecho desfavorável aos pais.
Em seu voto, proferido na última quinta (6), Barroso considerou que essa modalidade de ensino teria de atender a algumas condições. Por sua proposta, os pais teriam de notificar as secretarias municipais de Educação para que houvesse um cadastro das crianças que estudam em casa e elas deveriam ser submetidas às mesmas avaliações a que se submetem os alunos de escolas públicas ou privadas.
Barroso disse, em resposta à Procuradoria-Geral da República, contrária ao recurso, que reconhecia a importância da escola na socialização, mas sustentou que crianças que estudam em casa não vivem apartadas do mundo –podem socializar no clube ou na igreja, por exemplo.
Além disso, segundo ele, pesquisas empíricas feitas em países onde a prática é comum não detectaram deficiência na formação delas.
Os colegas que sucederam o relator, porém, entenderam que não cabe ao Judiciário criar tal regulamentação, de alçada do Legislativo. “Nós teríamos que alocar professores para cuidar do ‘homeschooling’ quando faltam professores para as escolas. Isso não teria que ser uma decisão nossa [do Judiciário]”, disse Gilmar.
Para Marco Aurélio, a importação de experiências estrangeiras “contradiz todo o esforço empreendido pela sociedade brasileira na busca progressiva pelo acesso à educação formal no país”.
Lewandowski destacou a importância da escola para a convivência com a diversidade, no momento em que se “formam bolhas nas quais ecoam as mesmas ideias, o que é comum nas redes sociais”.
Favorável ao “homeschooling”, a Aned (Associação Nacional de Ensino Domiciliar) calcula que existam cerca de 60 processos sobre o tema em tribunais do país. Uma estimativa da entidade feita com base em associados e processos aponta que cerca de 7.500 famílias adotam atualmente o modelo de ensino em casa.
Em 2011, esse número era de 360. O tema, porém, gera polêmica e divide educadores.
O artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases, que regula a educação, afirma que “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade”.
Já o artigo 205 da Constituição aponta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.
Na outra ponta, os pais da menina sustentaram no recurso que restringir a educação à instrução formal nas escolas equivale a ignorar as formas variadas de aprendizado, “além de significar uma afronta a um considerável número de garantias constitucionais”.
“Não somos antiescola nem queremos o fim da escola. Queremos o direito da família”, diz Ricardo Dias, presidente da Aned, adepto do chamado “homeschooling” junto aos dois filhos há oito anos.
Segundo ele, entre os motivos que levam pais a aderirem ao ensino domiciliar estão a insatisfação com o ambiente escolar, devido a casos de bullying e a pressões sociais “inadequadas”, e a busca por educação personalizada e adaptada ao ritmo de aprendizado da criança.